Epifanisses

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quarta-feira, 7 de maio de 2014

Eu sou(tro)


De uns tempos pra cá, ando amante da poesia. Me encanta o fato dos poemas serem tão atemporais. Às vezes, me pego refletindo sobre uma vida inteira em um único verso, e quando vou ver o poema foi escrito há muitas décadas. Me instiga. É o que sempre acontece quando estou na companhia de Cecília Meireles, que tem o dom de me remeter a paradigmas tão atuais que caem no meu colo. E foi o que aconteceu quando eu li:
  “De tanto querer ser boa, misturei o céu com a terra, e por uma coisa à-toa levei meus anjos à guerra.”
Estamos recrutando um exército de anjos quando o assunto é agradar o outro. Mudamos de cabelo, de roupa, de atitudes, de emprego, de casa, de carro, de postura... Estamos mudando de alma? Em uma sociedade em que a competição é valorizada, competir com nós mesmos tem se tornado um fato que passa desapercebido quando não deveria. Na verdade, é assustador.
Não adianta falar que não vivemos para agradar pessoas e seria até mesmo hipocrisia, porque fazemos isso, sim, e muito! A aceitação do outro é importante, nos vemos pelo outro e por ele constituímos quem somos também. Porém, em tempo real, a questão que se coloca para mim é: até que ponto essa aceitação é válida?
Isso fica bem claro quando, por inúmeras vezes, deixamos de falar o que pensamos e como nos sentimos com medo do que o outro irá pensar, se o que pensamos vai agradar ou não. Acabamos por medir nossas palavras à procura de preservar uma imagem que na verdade não nos representa, e sim, é um mero reflexo do que o outro vai gostar que sejamos. A representação do desejo de outra pessoa.
Estamos deixando de ser nós mesmos para ser um modelo perfeito para o outro. É esse o tipo de relação saudável que queremos pras nossas vidas? Estamos modificando nossa personalidade, nos perdendo, nos dissolvendo em padrões de aceitação. Caminhar por essa tênue linha entre o que pensam de mim e o quão distante eu vou ficando de mim mesmo na tentativa de tornar essa impressão a melhor possível, parece tarefa que nem anos e anos de terapia irão decifrar (e não devem).
Icke já dizia que "a maior prisão que as pessoas vivem é o medo do que as outras pessoas pensam". Mas o que ele não nos contou foi onde podemos encontrar a chave desta prisão. Talvez esta chave esteja na própria recuperação da identidade, da personalidade própria que orienta nossas ações, que os signos explicam. Aquilo que não pode e nem deve ser modificado em nós mesmos, porque é na nossa essência que encontramos o equilíbrio e a força para sermos exatamente quem somos.

2 comentários:

  1. Uma vez o vocalista de uma banda de rock chamada New Model Army escreveu:
    "Nossa música diz muito a poucas pessoas, enquanto músicas de outras bandas dizem pouco a muitas pessoas. Acho ótimo como está"
    E é isso mesmo. Quem vive pensando no que os outros vão dizer ou pensar não pode mesmo estar feliz. E esse tema ainda traz à tona a praga que assola o mundo "moderno", onde a liberdade de expressão é tolida em prol dos politicamente corretos...
    Parabéns por mais esse texto.

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