Vejo a alma como um relicário, em que vamos guardando aquilo que se perdeu, que ficou para trás. Mas tenho percebido que não podemos viver só do nosso espírito colecionador de memórias que passaram. Viver é muito mais que sentir saudades do que já foi, creio que viver seja olhar para trás sim, mas como forma de tirar a essência das memórias. Como diz Rubem Alves 'não haverá borboletas se a vida não passar por longas e silenciosas metamorfoses" - e essas metamorfoses assustam, muitas vezes são até mesmo impostas para nós pela vida, meio contra a nossa vontade. Eu descobri que temos opções frente a essas metamorfoses impostas, podemos ignorá-las e simplesmente mergulharmos em nosso relicário de lembranças do que já passou, ou podemos entrar no ritmo delas, nos deixando levar, mesmo sem saber para onde estamos voando.
À primeira vista, ficarmos seguros em nossas memórias parece mais confortável do que abraçarmos o desconhecido. Foi isso que eu fiz, por um longo tempo. Até o dia em que você resolve dar uma breve espiadinha no presente, saindo por alguns instantes da caixa de lembranças seguras, e descobre que, provavelmente, suas lembranças tão bem guardadas viraram de ponta cabeça. Assusta, dá medo. E você vai, aos poucos, descobrindo o porquê de tudo parecer tão diferente daquilo que você ama. Ou amou? A verdade é que não parece diferente, realmente, está. O tempo muda tudo, as pessoas que você conhecia, mudam (nem sempre para o melhor). E você para e pensa: eu amo o que ou quem existe hoje, ou eu amo as lembranças que guardei? O único amor que fica, eterno, é o que a memória ama - este nenhuma decepção, por mais grande que seja, apaga.